Eugenia Presente! Reflexos nas Escolas Brasileiras

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Rafael Guthier Tavares

A eugenia foi um movimento que pressupunha o melhoramento das características genéticas da população por meio de seleção reprodutiva e possui suas raízes no início do século XIX. A palavra Eugenia vem do grego “eu”, que significa bom, e “genos”, que significa nascimento ou raça. Criada pelo britânico Francis Galton, possui inspiração nas ideias de evolução e seleção natural de seu primo Charles Darwin.

Galton acreditava que era possível aplicar esses princípios aos seres humanos para o melhoramento genético. Para o britânico, as características físicas eram herdadas e isso também acontecia com as habilidades mentais e o caráter das pessoas. Portanto, ele propôs que a sociedade poderia ser melhorada encorajando pessoas com traços desejáveis se reproduzirem e desencorajando a reprodução daquelas com traços não desejáveis.

No início do século XX, a eugenia ganhou popularidade em vários países, como os Estados Unidos e a Alemanha. Nos EUA, isso levou à implementação de leis de esterilização forçada para impedir que pessoas consideradas geneticamente indesejáveis se reproduzissem. Na Alemanha nazista, as políticas eugênicas foram levadas a extremos terríveis, contribuindo para o genocídio de milhões de judeus, pessoas com deficiência e outros grupos considerados inferiores sob a ideologia racista nazista.

As práticas eugênicas causaram danos duradouros à sociedade, violando direitos humanos fundamentais e resultando em discriminação, estigmatização e abuso de pessoas consideradas inferiores. Após a Segunda Guerra Mundial, a eugenia caiu em desgraça devido às suas associações com o nazismo e seu uso para justificar atrocidades cometidas contra outros povos, em especial o povo judeu.

 Suas ideias ganharam força em várias partes do mundo, incluindo o Brasil, onde se manifestou de maneiras distintas, influenciando políticas públicas e práticas sociais, que influenciavam inclusive a organização do sistema educacional. Sendo assim, em nosso país, a eugenia direcionou a políticas públicas que visavam “branquear” a população, baseadas na crença na superioridade das características europeias.

Na educação, isso reforçou os ideais do movimento higienista, que considerava a saúde física e a higiene como fundamentais para uma nação “civilizada” e “saudável”, mas associava a falta de saúde e higiene a características étnicas e sociais. Houve também práticas de seleção e segregação nas escolas, excluindo ou desencorajando crianças com deficiências ou de grupos étnicos específicos de certas atividades educacionais.

O modelo de ensino, centrado nas idéias positivistas de Augusto Comte, e no cultivo de valores e ideais eurocêntricos, preconizava o ensino de valores morais e cívicos buscando formar cidadãos considerados “superiores”, refletindo a preocupação com o “melhoramento” da sociedade.

Em contraste a isso o educador brasileiro Paulo Freire (1921-1997) utilizava seu método de educação crítica, em que o estudante é visto como um sujeito ativo, capaz de construir conhecimento a partir de sua interação crítica com o mundo, ao invés de mero receptáculo passivo de ideais “superiores”. Ele rejeitou os princípios da eugenia, focando em inclusão, diversidade e valorização das diferenças, através da educação crítica e emancipatória. Ele criticava a educação “bancária”, onde os estudantes eram vistos como receptáculos passivos do conhecimento.

A educação positivista e eugenista visava a conformidade e adaptação a uma ordem social e biológica idealizada. Para Freire (2019), no entanto, esse modelo perpetua as estruturas de poder e opressão em nossa sociedade. A abordagem eugênica na educação, com sua ênfase na seleção de características ‘desejáveis’, é vista como uma manifestação extrema desse modelo, pois impõe e perpetua uma estrutura social discriminatória. Contrariamente, a visão de Freire propõe uma educação voltada para a libertação e a transformação social, colocando o estudante no centro do processo educativo como participante ativo, valorizando suas próprias vivências.

O legado da eugenia nas escolas contemporâneas do Brasil levanta questões importantes sobre a abordagem das práticas discriminatórias ainda presentes no meio educacional. De que forma o legado da eugenia se faz presente nas escolas brasileiras hoje? Quais são os principais obstáculos para erradicar essas práticas discriminatórias? Como podemos fomentar uma educação que valorize a diversidade? Quais medidas podem ser implementadas para remodelar o ambiente educacional?

Para Dávila (2016), embora a eugenia como política tenha ficado no passado do nosso país, suas influências ainda persistem e se refletem em nosso cotidiano nas formas mais sutis de racismo, capacitismo e segregação. Isso se evidencia na desigualdade de acesso à educação de qualidade entre diferentes grupos sociais e raciais, na marginalização de alunos com deficiências, e na falta de representatividade e valorização da diversidade cultural e histórica nos currículos escolares, com destaque à cultura africana e indígena.

Os desafios são diversos, incluindo a necessidade de políticas públicas mais eficazes para garantir acesso igualitário à educação, a capacitação de professores para lidar com a diversidade em sala de aula, e o desenvolvimento de currículos mais inclusivos, atendendo a todos os alunos independentemente de suas condições físicas e mentais. 

Para que essas mudanças ocorram é essencial implementar práticas pedagógicas que não apenas combatam o preconceito e a discriminação de forma responsiva, mas também promovam um ambiente inclusivo. Isso inclui a incorporação de educação antirracista e antidiscriminatória no currículo, a capacitação contínua de professores e o desenvolvimento de políticas inclusivas.

Transformar efetivamente o ambiente educacional requer um compromisso conjunto de educadores, administradores, políticos e da comunidade escolar, envolvendo diálogo aberto, parcerias com organizações locais e avaliação contínua das políticas educacionais.

No Brasil atual, a influência direta da eugenia na educação diminuiu, mas é essencial reconhecer seu impacto histórico para entender as desigualdades persistentes no sistema educacional. De acordo com Sousa (2021), a promoção da inclusão, respeito à diversidade e igualdade de oportunidades são fundamentais.

A conscientização e compromisso com uma educação antirracista são essenciais para superar legados de desigualdade e construir uma sociedade mais justa. Reconhecer o passado eugênico é crucial para esse processo. Esta reflexão sobre o legado da eugenia nas escolas brasileiras revela que temos a necessidade urgente de repensar e reformular nosso sistema educacional para que ele possa ser mais inclusivo e justo.

Referências bibliográficas

DÁVILA, Jerry; CARVALHO, Leonardo Dallacqua de; CORRÊA, Igor Nazareno da Conceição. Eugenia e educação no Brasil do século XX: entrevista com Jerry Dávila. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, v. 23, p. 227-234, 2016.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 70. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2019.

SOUSA, Vanessa Castro Alves de. O capacitismo e seus desdobramentos no ambiente escolar. 2021.


Co-autoria:

Rafaela Batista Carvalho de Pina: Licenciada em Biologia pela UENF e Graduada em Pedagogia pela UNINTER, Pós-graduada em Educação Ambiental pelo IFF – RJ e em Neuropsicopedagogia pela faculdade IBRA, Mestranda em Cognição e Linguagem pela UENF, Professora da rede Estadual e Municipal de Educação.

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