Sistema de saúde dos EUA: lucro acima do cuidado

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Cláudio Cordovil

O historiador da saúde pública Zachary W. Schulz propõe uma leitura contundente do sistema de saúde dos Estados Unidos: ele não é disfuncional por acidente, mas sim resultado de escolhas históricas que priorizaram lucro, interesses políticos e hierarquias raciais e regionais. Em seu artigo, Schulz afirma que compreender esse legado é essencial para entender por que a reforma do sistema tem sido tão difícil.

Segundo o autor, o sistema de saúde norte-americano foi construído a partir de uma série de compromissos que favoreceram o setor privado e reforçaram desigualdades. Desde os anos 1940, o acesso à saúde foi atrelado ao emprego formal, em uma medida pensada mais para contornar limitações salariais durante a guerra do que para promover bem-estar. Esse modelo ainda persiste, diferente de países que combinaram seguros empregatícios com alternativas públicas robustas.

A criação do Medicare e do Medicaid em 1965 ampliou a infraestrutura pública, mas também aprofundou desigualdades. Enquanto o Medicare beneficiou sobretudo trabalhadores estáveis e mais ricos, o Medicaid, fragmentado em 50 versões estaduais, se mostrou vulnerável a interesses locais – especialmente no Sul dos EUA, onde legisladores lutaram para manter o controle e limitar o acesso de populações negras.

Hoje, os estados que rejeitaram a expansão do Medicaid se concentram no Sul e afetam desproporcionalmente adultos negros. Muitos ficam presos numa lacuna de cobertura: ganham demais para ter acesso ao Medicaid, mas não o suficiente para receber subsídios no mercado de seguros.

A burocracia crescente, que envolve códigos de faturamento obscuros e redes médicas mutáveis, é vista por Schulz como uma “confusão lucrativa” – que favorece seguradoras e prestadores. Isso obriga pacientes a lidar com decisões impossíveis, como escolher entre endividar-se ou adiar tratamentos essenciais.

Mesmo iniciativas como o Affordable Care Act, de 2010, que ampliaram o acesso, acabaram reforçando a presença do setor privado ao não incluírem uma opção pública de seguro.

Para o autor, o sistema norte-americano funciona exatamente como foi planejado: para transformar complexidade em lucro e manter a saúde como mercadoria. E mudar isso requer mais do que reformas pontuais – exige repensar as fundações e enfrentar os interesses consolidados que se beneficiam da atual estrutura.

🔍 Reflexão final: Schulz destaca que outros países conseguiram equilibrar acesso universal e sustentabilidade financeira. Reconhecer que o sistema atual dos EUA não é um erro, mas um projeto intencional, é o primeiro passo para exigir alternativas mais justas e funcionais.


Fonte: US health care is rife with high costs and deep inequities, and that’s no accident – a public health historian explains how the system was shaped to serve profit and politicians / The Conversation

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