Por séculos, a humanidade sonhou com um mundo sem doenças. Avanços médicos do século XX, como antibióticos e vacinas modernas, nos fizeram vislumbrar essa utopia.
A erradicação global da varíola em 1980 e iniciativas contemporâneas contra a malária e a doença de Lyme refletem essa aspiração. No entanto, à medida que novas doenças zoonóticas emergem, esse objetivo parece cada vez mais distante.
Susan Jones, ecologista e historiadora das ciências da vida na Universidade de Minnesota, argumenta que investir pesadamente na erradicação de doenças com ecologias complexas é desperdiçar recursos. Ao invés disso, ela defende que devemos aprender a conviver com essas doenças, investindo em controle e proteção.
Doenças zoonóticas são transmitidas entre animais vertebrados e humanos e podem ser causadas por parasitas, bactérias, vírus ou fungos. A natureza complexa dessas doenças, que envolvem múltiplas espécies como hospedeiros, reservatórios ou vetores, exige uma abordagem científica diferenciada, segundo Nils Christian Stenseth, ecologista evolutivo da Universidade de Oslo.
Na história da medicina, apenas a varíola e o vírus da peste bovina foram erradicados, doenças com um espectro limitado de hospedeiros. Em contraste, doenças zoonóticas e vetoriais atuais, como malária e Lyme, apresentam desafios significativos devido à diversidade de espécies hospedeiras, complicando esforços de erradicação.
A experiência soviética na tentativa de erradicar a peste bubônica demonstra os desafios e impactos ambientais de tais campanhas. Apesar dos esforços iniciais terem reduzido os casos, a peste ressurgiu na União Soviética nos anos 1950, levando a uma mudança de foco para contenção e prevenção.
No cenário atual, programas para malária e Lyme incluem métodos de controle comprovados, como mosquiteiros, inseticidas e vacinas. Contudo, abordagens mais experimentais, como mosquitos geneticamente modificados, são controversas e caras, e levantam preocupações como resistência a antibióticos.
Stenseth e Jones são céticos quanto à erradicação de doenças ecologicamente complexas através de edição genética. O debate sobre o uso de termos como “erradicar” reflete, segundo eles, uma visão simplista e potencialmente enganosa quando se trata de financiamento e objetivos reais desses programas.
Em última análise, a aceitação de que não podemos erradicar completamente doenças zoonóticas nos permite explorar formas de coexistir com elas, priorizando investimentos em prevenção e vigilância. A modelagem preditiva em epidemiologia, por exemplo, ajuda a monitorar e prever surtos, orientando medidas de precaução eficazes.
Este reconhecimento não significa abandonar o objetivo de salvar vidas humanas, mas sim redirecionar recursos para intervenções sustentáveis e eficazes, integrando humanos ao ecossistema ao invés de tentar dominá-lo.
Fonte: Opinion: The Impossible Goal of a Disease-Free World / Undark
Imagem gerada por Inteligência Artificial
Este artigo foi criado em colaboração entre Cláudio Cordovil e Chat GPT-4