A publicação no Diário Oficial da União, na quarta-feira passada (8/1), da resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), que define diretrizes para o aborto legal em crianças e adolescentes, gerou controvérsias e escancarou tensões entre o governo federal, movimentos sociais e setores conservadores.
O documento, embora tenha força normativa e não poder de lei, estabelece orientações para o atendimento humanizado em casos previstos pela legislação brasileira, como gravidez decorrente de violência sexual, risco à vida da gestante e anencefalia.
O que determina a resolução
A resolução do Conanda destaca a necessidade de priorizar a vontade da gestante, mesmo em casos de divergências com pais ou responsáveis, e propõe medidas para prevenir a revitimização de crianças e adolescentes. Entre as diretrizes, estão:
- Garantia de sigilo da identidade da vítima;
- Proibição de transferências para abrigos com o objetivo de impedir o aborto;
- Orientação de que o tempo gestacional não deve ser usado como obstáculo ao procedimento, servindo apenas para escolha do método mais seguro, conforme evidências científicas e diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Disputa judicial e reações divergentes
A publicação foi autorizada pelo desembargador Ney Bello, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), após suspensão inicial obtida pela senadora Damares Alves (Republicanos-DF). O magistrado considerou que o Conanda “agiu corretamente” ao estabelecer condições para o aborto em casos extremos, criticando a suspensão anterior como um “equívoco crasso” que negligenciava os direitos das vítimas de violência.
Por outro lado, Damares Alves recorreu da decisão e argumenta que a resolução contraria princípios constitucionais e compromete a proteção integral de crianças e adolescentes. Movimentos sociais, como o Criança Não É Mãe, criticaram duramente a postura contrária ao documento e enviaram coroas de flores a ministérios que votaram contra a medida, acusando-os de “condenar menores à gestação forçada”.
Divisão interna no governo
Embora o Conanda seja vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, a publicação do documento revelou divergências no governo Lula. Representantes da Casa Civil e outras pastas votaram contra a resolução, citando custos adicionais e possíveis conflitos jurídicos. A postura foi vista como uma tentativa de evitar o desgaste político de abordar o tema do aborto em um cenário de crescente polarização ideológica.
A posição oficial desagradou entidades civis e conselheiros que participaram da elaboração da proposta. Marina de Pol Poniwas, ex-presidente do Conanda, afirmou que o governo contribuiu ativamente na construção do texto, mas mudou de postura após pressões de setores conservadores.
Racha político e o peso do tema aborto
O episódio evidenciou um alinhamento inesperado entre o governo Lula e figuras como Damares Alves, reforçando a percepção de que o Executivo evita se envolver diretamente em temas como o aborto para não provocar a oposição conservadora. Nos mandatos anteriores de Lula, havia maior abertura para discutir mudanças na legislação reprodutiva, mas o crescimento da direita radical transformou o tema em uma questão sensível para o Planalto.
Movimentos sociais criticaram o silêncio do governo diante da tramitação de projetos como o PL 1904, que buscava endurecer punições para abortos ilegais e impor restrições ao aborto legal. A falta de posicionamento imediato reforçou a insatisfação de setores progressistas, que esperavam uma gestão mais alinhada à defesa dos direitos reprodutivos.
O futuro da resolução
Com a publicação autorizada, o texto tem validade, mas ainda enfrenta resistência judicial e legislativa. Damares Alves já indicou que pretende propor um projeto para sustar seus efeitos no Congresso. Paralelamente, o governo afirmou que respeitará a decisão do conselho e defenderá a norma nas instâncias necessárias.
A resolução do Conanda é, assim, mais do que uma diretriz técnica: tornou-se um símbolo da disputa política e ideológica sobre o aborto no Brasil. Enquanto isso, crianças e adolescentes vítimas de violência continuam no centro de um debate polarizado, que desafia o equilíbrio entre governabilidade e proteção aos direitos fundamentais.
Com informações de: Após vaivém jurídico, governo federal publica resolução com orientações sobre aborto legal para crianças e adolescentes / O Globo
e Resolução sobre aborto legal em crianças e adolescentes cria racha entre entidades civis e governo Lula / Folha de S. Paulo
Este artigo foi criado em colaboração entre Cláudio Cordovil e Chat GPT-4
Foto de Tingey Injury Law Firm na Unsplash