O envelhecimento humano é uma realidade de nosso tempo, não só no Brasil, mas um fenômeno mundial, conforme se pode inferir das notícias veiculadas no país e no mundo de forma constante12. Trata-se de uma perspectiva crescente, em uma realidade na qual as pessoas se veem despreparadas para cuidarem de seus idosos, em especial, aqueles com alguma incapacidade, comorbidade ou com doença crônica em estado de dependência física.
De forma mais evidente, a partir de meados do século passado, o desenvolvimento tecnológico tornou a comunicação cada vez mais veloz, a internet aproximou os povos de diferentes partes do Planeta e as novas tecnologias operaram transformações inimagináveis na sociedade. E, empregadas a serviço da saúde, passaram a prolongar a vida humana por um lapso temporal cada vez mais extenso, suscitando reflexões científicas, uma vez que postergar o processo de morte se tornou usual, mesmo à custa de intensas dores dos pacientes cuja enfermidade não era curável, uma prática que aumentava dias à vida, mas de mal-estar, sem dignidade. Nessa ambiência, Jacques Roskam, estudioso da finitude, apresentou reflexões no I Congresso de Geriatria e Gerontologia, em 1950, na Universidade de Liège, na Bélgica. A preocupação de Roskam parece ter sido o embrião das inquietações em relação ao fenômeno do envelhecimento, assim como o foi em face da obstinação terapêutica.
Anos mais tarde, o Brasil, como signatário da Convenção de Sidney, adotou o critério da cessação das atividades cerebrais como momento da morte, fato que gerou a medicalização da morte. A família que antes constatava a parada cardiorrespiratória e se dirigia ao cartório para lavrar a certidão de óbito, passou a ter que se dirigir de forma obrigatória ao hospital, pois somente o médico tem legitimidade para declarar o óbito em face da morte cerebral.
Passados longos anos, a taxa de natalidade infantil decresce, a ciência foi encontrando cura para doenças antes fatais, tornando-as crônicas e as pessoas passaram a se cuidar melhor, fatos exemplificativos que elevaram a expectativa de vida no Brasil. Dentre as inúmeras transformações, o quantitativo de pessoas idosas passou a merecer preocupação e, no ano passado, a Lei Federal, de nº 14.423/2022, como único ato, sem nenhum outro mais, alterou o Estatuto do Idoso para Estatuto da Pessoa Idosa, uma tendência que a academia precisa seguir, na perspectiva de unificar a caracterização do grupo com idade igual ou superior a 60 anos.
O envelhecimento humano é um fenômeno mundial, complexo e multifacetado de interesse da Bioética, que se preocupa com as situações de cada etapa do ciclo vital; ainda mais essa, marcada de especial forma pela vulnerabilidade humana. Trata-se de um tema que demanda profundos estudos em vários aspectos da pessoa idosa, como seus direitos existenciais à dignidade, à autonomia, à educação, à saudável convivência familiar, ao amparo, ao lazer, aos cuidados com a aparência traduzidos no embelezamento, ao amor e ao acesso às tecnologias, pois são amplos os direitos aos quais as pessoas idosas de nosso tempo têm acesso em certa medida.
A temática interessa à Bioética Global, conforme explica Pessini3 , na América Latina, oferece acolhimento à vulnerabilidade pela Bioética da Proteção e, ainda, por meio da Bioética da Intervenção, medidas mais diretas e efetivas capazes de intervir na realidade, oferecendo instrumentos no âmbito desta que propiciem atuação de forma dinâmica, por meio dos referenciais da vulnerabilidade, da solidariedade (através de um conceito relacional e não mais da ordem do sentimento, implementando-se ações positivas para transformar a realidade) e ainda a precaução, que visa minimizar a exposição a riscos e prevenir os acidentes.
Diante desses fatos, é importante salientar que promover o envelhecimento ativo e com dignidade constitui assunto de máxima importância e diz respeito não só a Bioética, mas às famílias, à sociedade, a saúde pública e também ao Poder Público. É necessário que também associações, grupos, instituições, igreja, e cada cidadão, assumam sua fatia de responsabilidade social no sentido não só de promover, mas fomentar, atuar, participar e fiscalizar as políticas públicas a fim de promover dignidade durante a vida e também no momento da finitude dessas pessoas que já deram suas contribuições para as novas gerações.
Doutora e Mestra em Cognição e Linguagem (Uenf). Estágio Pós-doutoral em Direito Civil e Processual Civil (Ufes). Coordenadora do Gepbidh (Grupo de Estudos e Pesquisa em Bioética e Dignidade Humana). Membro: Sociedade Brasileira de Bioética (SBB), Asociación de Bioetica Juridica de la Universidad Nacional de La Plata-AR, Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil (IBERC), Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), Instituto Internacional de Derechos Humanos (IIDH).
Nota da redação: Este artigo foi inspirado na Apresentação da seguinte obra: CABRAL, Hildeliza Lacerda Tinoco Boechat. Apresentação (p. 10-13). In: CABRAL, Hildeliza Lacerda Tinoco Boechat; TEIXEIRA, Fábio Luiz Fully; LÓSS, Juliana da Conceição Sampaio; ISTOE, Rosalee Santos Crespo. Geriatria e gerontologia: aspectos biopsicossociais, vol 2. Campos dos Goytacazes-RJ: Encontrografia, 2020. Disponível em https://encontrografia.com/books/geriatria-e-gerontologia-aspectos-biopsicossociais-volume-2/
Crédito da foto: Foto de Ravi Patel na Unsplash
- EXPRESSO 50. Japão bate recorde e já tem 92 mil pessoas com mais de 100 anos: 88,5% são mulheres e a mais velha tem 116 anos. Disponível em: https://expresso.pt/internacional/2023-09-18-Japao-bate-recorde-e-ja-tem-92-mil-pessoas-com-mais-de-100-anos-885-sao-mulheres-e-a-mais-velha-tem-116-anos-6448385f#:~:text=Internacional-,Jap%C3%A3o%20bate%20recorde%20e%20j%C3%A1%20tem%2092%20mil%20pessoas%20com,mais%20velha%20tem%20116%20anos Acesso em 03.nov.2023. [↩]
- ALBERNAZ, Isadora; PILLE, Letícia. Brasil tem 37.814 pessoas com 100 anos ou mais, e mulheres lideram. Poder 360. 28.out.2023. Disponível em https://www.poder360.com.br/brasil/brasil-tem-37-814-pessoas-com-100-anos-ou-mais-e-mulheres-lideram/ Acesso em 03.nov.2023. [↩]
- PESSINI, Leo. Elementos para uma bioética global: solidariedade, vulnerabilidade e precaução. Thaumazein, Santa Maria, Ano VII, v. 10, n. 19, p. 75-85, 2017b. Disponível em: https://periodicos.ufn.edu.br/index.php/thaumazein/article/view/1983. Acesso em: 04.nov. 2023. [↩]