Virtualização da vida humana: o metaverso

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Deise Ferreira Fernandes Paes

A virtualização da vida é um tema atual e interessante, mas ao mesmo tempo preocupante. À medida que os avatares se tornam cada vez mais realistas, estamos constantemente nos aproximando de um cenário semelhante ao apresentado no filme “Os Substitutos” do cineasta estadunidense Jonathan Mostow.

O filme se passa no ano de 2054, onde as pessoas optam por viver através de avatares enquanto seus corpos reais ficam em “segurança” em casa. Esses humanoides controlados remotamente são perfeitos esteticamente e idealizados de acordo com a vontade de seu operador. Mas nem tudo sai como esperado.

Será que pelo simples fato de deixar nossos corpos reais em segundo plano não estamos nos colocando em risco?! Neste ponto várias questões podem ser discutidas como: identidade, autenticidade e conexão humana. Enquanto a tecnologia avança e os avatares se tornam quase indistinguíveis dos seres humanos reais, podemos nos perguntar: até que ponto nossa própria identidade está ligada aos nossos corpos físicos? Será que a experiência de viver através de um avatar é genuína, ou estamos apenas nos iludindo com uma realidade simulada?

Além disso, há preocupações éticas e sociais sobre o impacto dessa virtualização na nossa sociedade. Se as pessoas começarem a preferir interagir através de avatares, o que isso poderá significar para as relações humanas? Estamos nos afastando da verdadeira intimidade e empatia quando nos comunicamos através de personas digitais? Será que viver em um mundo virtual pode alterar nossa percepção do que é real?

Certamente, a realidade virtual tem o potencial de afetar significativamente a percepção do mundo ao nosso redor. Ao imergimos em ambientes virtuais, podemos experimentar sensações, interações e realidades que são completamente diferentes daquelas encontradas no mundo físico. Dessa forma, muitas pessoas fogem da sua realidade se projetando em um mundo virtual perfeito, com um padrão de beleza “ideal”. A vida humana começa a ser relativizada, perdendo seu valor e principalmente sua autenticidade, que perde seu valor na atual perspectiva virtual.

Uma das maneiras pelas quais a realidade virtual pode influenciar nossa percepção é através da chamada “imersão total”, na qual os usuários se sentem totalmente envolvidos e imersos no ambiente virtual, muitas vezes perdendo temporariamente a noção do mundo real ao seu redor. Isso pode resultar em uma alteração momentânea da percepção da realidade, onde o que é experimentado na realidade virtual pode parecer real.

Já estamos diante do metaverso proposto por Neal Stephenson no livro “Snow Crash” publicado em 1992, ao qual define o termo como um espaço virtual tridimensional persistente, onde pessoas podem interagir entre si e com objetos digitais de maneira imersiva, semelhante ao mundo físico (STEPHERSON, 1992). Desde então o termo tem sido explorado em games, filmes e literatura de ficção cientifica.

Atualmente, várias empresas de tecnologia estão explorando o conceito de metaverso e desenvolvendo plataformas e tecnologias que buscam criar espaços virtuais compartilhados e imersivos. Exemplos incluem o Oculus da Meta (anteriormente conhecida como Facebook), que visa criar um espaço de realidade virtual social; o jogo Fortnite da Epic Games, que tem sido descrito como um metaverso em potencial devido à sua natureza multifuncional e à capacidade de hospedar eventos virtuais de grande escala; e o Decentraland, uma plataforma baseada em blockchain que permite aos usuários criar, possuir e monetizar seus próprios espaços virtuais.

O conceito de metaverso tem o potencial de transformar a maneira como interagimos com o mundo digital, criando novas oportunidades para socialização, colaboração, entretenimento, educação e comércio. No entanto, também levanta questões importantes relacionadas à privacidade, segurança, governança e inclusão digital, que precisam ser cuidadosamente consideradas à medida que o metaverso continua a se desenvolver e se expandir.

Muitas pesquisas mostram os impactos negativos que podem ser causados à saúde devido ao isolamento e o uso excessivo de tecnologias digitais. Um estudo realizado pela Universidade de Pittsburgh, por exemplo, descobriu que o uso frequente de mídia social estava associado a um aumento significativo nos sentimentos de solidão entre os jovens adultos, podendo levar a depressão e ansiedade (POSSOMATO-VIEIRA, JOSÉ S. AND KHALIL; MODELING, 2017). Sem mencionar a questão do sedentarismo ao ficar em frente as telas demasiadamente, podendo levar à obesidade, diabetes e até problemas cardíacos, conforme já publicado na revista JAMA Pediatrics (MCGRATH; HOPKINS; HINCKSON, 2015). É importante ressaltar que sérios problemas cognitivos e emocionais também podem ser causados por influência da tecnologia.

É fato que a virtualização de maneira geral amplia as oportunidades de conexão e colaboração. Podemos perceber tal fato principalmente durante a pandemia de COVID-19, durante a qual, por meio de plataformas virtuais, as pessoas puderam se comunicar, interagir e trabalhar juntas, independentemente da distância física que as separa. A virtualização pode oferecer acessibilidade a serviços e recursos que antes eram limitados geograficamente. Por exemplo, pessoas em áreas remotas podem ter acesso a cuidados médicos, educação de qualidade e oportunidades de emprego por meio de plataformas online. Isso ajuda a reduzir desigualdades e democratizar o acesso a oportunidades. Mas é necessário cautela na utilização da tecnologia, porque ela pode ter consequências imprevistas e potencialmente prejudiciais para a humanidade e o meio ambiente, conforme já nos advertia o Filosofo Alemão Hans Jonas em seu livro “Principio responsabilidade”.

Ele acreditava que é importante considerar não apenas os benefícios imediatos da tecnologia, mas também suas possíveis ramificações éticas e ecológicas a longo prazo, sendo necessária uma abordagem reflexiva em relação ao desenvolvimento e aplicação da tecnologia, reconhecendo os limites do conhecimento humano e as possíveis ramificações negativas de nossas ações tecnológicas.

É necessário voltar-se para os perigos da alienação causada pela tecnologia, onde os seres humanos podem se distanciar da natureza, de si mesmos e uns dos outros. Jonas enfatiza a importância de preservar nossa conexão com a natureza e nossa humanidade em face do avanço tecnológico(JONAS, 2006). Se o nosso estado evolutivo atual foi alcançado em função da nossa interação com a natureza, será que se deixarmos de interagir com o meio ambiente perderíamos nossa essência humana?

Segundo o filósofo fenomenólogo Maurice Merleau Ponty o corpo não é apenas um objeto no ambiente, mas também é a fonte fundamental da nossa percepção e compreensão do mundo. Ele defende que a consciência e o corpo estão intrinsecamente ligados e que nossa experiência do mundo é moldada pela maneira como nosso corpo se relaciona com o ambiente ao nosso redor. Isso significa que nossa consciência do mundo é mediada pelo nosso corpo e suas capacidades perceptivas(PONTY, 1999). Dessa forma, o toque, a visão e outros sentidos podem se combinar proporcionando uma compreensão holística do ambiente. Se assim for, uma imersão total e constante poderia modificar a nossa forma de interagir e perceber o mundo? Ou modificar a nossa essência como humanidade?

Essas questões precisam ser ponderadas quando falamos de desenvolvimento tecnológico, que não deve cuidar apenas do processo de criação de novas tecnologias, sem levar em conta aspectos bioéticos. É fundamental encontrar um meio termo para usufruir da tecnologia e suas derivações com responsabilidade, minimizando os impactos negativos na sociedade, à medida que avançamos nesse caminho de virtualização, mantendo uma consciência crítica sobre as implicações éticas, sociais, psicológicas e ambientais dessa mudança.

Devemos questionar os limites entre o real e o virtual, e garantir que não estejamos sacrificando aspectos fundamentais da nossa humanidade em busca de uma experiência digital aprimorada, a fim de que as próximas gerações também tenham o direito de usufruir da tecnologia e de um meio ambiente saudável mantendo a essência daquilo que nós conhecemos como humanidade.

Referências Bibliograficas

 JONAS, H. O Princípio Responsabilidade: ensaios de uma ética para a civilização tecnológicaRio de JaneiroContraponto; Ed. PUC-Rio, , 2006. Disponível em: <https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5537243/mod_resource/content/1/Jonas%2C Hans %282006%29. O princípio responsabilidade. Rio de Janeiro- ContrapontoPUC.pdf>

MCGRATH, L. J.; HOPKINS, W. G.; HINCKSON, E. A. Associations of Objectively Measured Built-Environment Attributes with Youth Moderate–Vigorous Physical Activity: A Systematic Review and Meta-Analysis. Sports Medicine, v. 45, n. 6, p. 841–865, 2015.

PONTY, M. M. Fenomenologia da percepção. 2a ed. São Paulo: Livraria Martins Fontes, 1999.

POSSOMATO-VIEIRA, JOSÉ S. AND KHALIL, R. A. K.; MODELING, O. 2. 0. E. S. E. AND S. Social Media Use and Perceived Social Isolation Among Young Adults in the U.S. Physiology & behavior, v. 176, n. 12, p. 139–148, 2017.

STEPHERSON, N. Snow Crash. 1. ed. Estados Unidos: 1992, 1992. v. 1


Co-autoria:

João Almeida: Licenciado em Ciências Biológicas pela UFRJ, Bacharel em Filosofia pela UNISUL, Mestre e Doutor e Biofísica pela UFRJ

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