A história de Ricky Garcia e Lauren Davis, ambos moradores do estado de Washington, nos EUA, oferece uma visão poderosa sobre os dilemas éticos e práticos do tratamento involuntário para dependentes químicos. Essa trajetória inspirou a criação da chamada “Lei de Ricky”, que desde 2018 permite que pessoas com transtornos por uso de substâncias sejam submetidas a tratamento involuntário quando representam risco para si mesmas ou para outros.
O início da luta
Lauren Davis conheceu Ricky Garcia em 2004, quando trabalhavam juntos em uma creche. Apesar de seu carisma e humor contagiante, Ricky enfrentava uma grave dependência de álcool e opioides. Entre 2010 e 2012, ele visitou mais de 75 vezes salas de emergência e foi internado três vezes em UTIs. Durante esse período, Davis, hoje deputada estadual, recorreu à legislação de saúde mental para interná-lo involuntariamente, já que não havia uma lei específica para casos de dependência química.
Após a recuperação de Ricky em 2012, ambos se dedicaram à criação de uma lei que permitisse a internação involuntária de pessoas com dependência química. A lei foi sancionada em 2016 e implementada em 2018.
Como funciona a Lei de Ricky
A Lei de Ricky permite que indivíduos em crise sejam detidos por até 120 horas (cinco dias), com possibilidade de extensão para 14 e depois 90 dias, mediante decisão judicial. Durante a internação, os pacientes participam de atividades terapêuticas, como grupos sobre prevenção de recaídas e desenvolvimento de habilidades de enfrentamento.
Em Washington, há quatro centros dedicados a esse tipo de tratamento. No Recovery Place Kent, por exemplo, os pacientes são admitidos após avaliação de profissionais especializados, conhecidos como “respondentes de crise designados”. Esses profissionais analisam se a pessoa representa perigo para si mesma ou para outrem.
Eficácia e críticas
Embora a lei tenha salvado vidas, sua aplicação é controversa. Pesquisas apontam resultados variados sobre o impacto do tratamento involuntário. Segundo um estudo publicado no Canadian Journal of Addictions em 2023, 10 dos 22 estudos analisados relataram resultados negativos para tratamentos compulsórios, enquanto apenas sete mostraram melhorias, como maior retenção no tratamento.
Além disso, desafios logísticos e éticos permanecem:
- Baixa ocupação nos centros de tratamento: A capacidade dos centros varia entre 40% e 65%.
- Dificuldades de acesso: Faltam profissionais e infraestrutura para atender à demanda.
- Impacto psicológico nos pacientes: Ricky Garcia, o próprio homenageado da lei, enfrentou traumas decorrentes de suas internações. Em 2020, após oito anos de sobriedade, ele sofreu recaídas e foi detido quatro vezes sob a Lei de Ricky. Em 2023, fugiu para o estado do Oregon, mas retornou voluntariamente a um centro de tratamento, onde faleceu dias depois.
Lições para o Canadá e outros países
Enquanto políticos no Canadá discutem medidas semelhantes para combater a crise de opioides, a experiência de Washington levanta questões importantes:
- O tratamento compulsório é uma solução a curto prazo que não resolve questões estruturais, como falta de moradia e saúde mental.
- A legislação deve ser acompanhada de investimentos robustos em tratamento voluntário, educação e prevenção.
- É crucial equilibrar o respeito à autonomia individual com a necessidade de intervenção em situações de risco extremo.
Reflexões finais
A Lei de Ricky representa uma tentativa de salvar vidas em situações extremas, mas sua aplicação requer cuidados e uma abordagem integrada. Como afirmou Lauren Davis, o processo pode ser traumático, mas, para alguns, é a única opção para evitar consequências fatais. “Tive 10 anos a mais com Ricky por causa da lei”, disse ela. “E não trocaria isso por nada.”
Fonte: Forced into treatment / CBC News
Imagem gerada por Inteligência Artificial
Este artigo foi criado em colaboração entre Cláudio Cordovil e Chat GPT-4