Desde a decisão da Suprema Corte dos EUA no caso Dobbs v. Jackson Women’s Health Organization, que reverteu a proteção federal ao aborto estabelecida por Roe v. Wade, 24 estados norte-americanos adotaram restrições severas ao aborto, sendo que 20 deles implementaram proibições totais ou limites a partir das seis semanas de gestação.Isso gerou mudanças significativas na forma como os profissionais de saúde, especialmente obstetras, prestam seus cuidados.
Segundo um estudo qualitativo da organização Advancing New Standards in Reproductive Health (ANSIRH), baseado nos relatos de 86 profissionais, essas restrições têm causado sérios impactos na qualidade do atendimento, especialmente em casos obstétricos e emergências médicas.
Após a decisão judicial que eliminou as proteções federais ao aborto, muitos hospitais e empregadores orientaram os profissionais de saúde a não falarem com a mídia sobre o impacto dessas novas leis. O estudo “Care Post-Roe” da ANSIRH, iniciado em setembro de 2022, buscou criar um espaço para que médicos e outros profissionais pudessem compartilhar anonimamente como as restrições ao aborto estavam prejudicando o atendimento.
De acordo com os pesquisadores, até o momento, mais de 86 relatos foram coletados, com 63 ocorrendo no primeiro ano após a decisão, e 23 desde julho de 2023.
O Dr. Daniel Grossman, da Universidade da Califórnia, destacou que essas situações de baixa qualidade no atendimento médico não são casos isolados: “Continuamos a ver esses casos mais de dois anos após Dobbs. Acredito firmemente que essas leis são incompatíveis com o atendimento médico baseado em evidências, e a única solução é revogar essas proibições”.
Os relatos dos profissionais incluíram uma série de cenários onde as novas leis estaduais interferiram na prestação de cuidados médicos adequados. Um dos casos mais impactantes descritos no estudo foi o de uma paciente com ruptura prematura de membranas antes das 20 semanas de gestação.
Devido às restrições estaduais, a paciente foi mandada para casa sem a opção de realizar um aborto. Dois dias depois, ela voltou ao hospital com uma grave infecção, incluindo sepse e bacteremia. Conforme relatado, a paciente foi submetida a uma curetagem de emergência e, “milagrosamente”, sobreviveu.
Antes de Dobbs, o protocolo padrão seria oferecer imediatamente a opção de interrupção da gravidez para evitar riscos à saúde da paciente.
Esses relatos ilustram as graves consequências de se negar o atendimento médico apropriado por conta de proibições legais, muitas vezes colocando em risco a vida de mulheres que precisam de cuidados obstétricos urgentes.
Categorias Comuns de Casos
A maioria das histórias relatadas se enquadra em nove categorias principais:
- Complicações obstétricas no segundo trimestre antes da viabilidade fetal;
- Gravidez ectópica;
- Condições médicas preexistentes que tornam a continuidade da gravidez perigosa;
- Anomalias fetais graves;
- Aborto espontâneo;
- Atrasos extremos no acesso ao aborto;
- Interação com o sistema carcerário;
- Dificuldade em obter cuidados pós-aborto;
- Atrasos no atendimento médico não relacionado ao aborto.
Os pesquisadores ressaltam que, entre abril de 2023 e agosto de 2024, ao menos um relato por mês foi recebido, abrangendo todas as categorias mencionadas, o que sugere que esses casos não se limitaram ao período imediato após a decisão Dobbs.
Impacto nas Decisões Médicas e Ética Profissional
A decisão Dobbs alterou fundamentalmente como o cuidado relacionado à gravidez, e até mesmo outros tipos de atendimento médico, são oferecidos. Muitos estados tentaram emitir orientações sobre como proceder com abortos legais quando a vida da paciente está em risco, mas, em vez de oferecer maior clareza, essas diretrizes muitas vezes geram mais confusão. Como resultado, os profissionais de saúde relatam um dilema ético cada vez maior.
Grossman também observou que a “angústia moral” agora é parte integrante da educação médica, com estudantes e residentes aprendendo que, mesmo sabendo a forma correta de tratar um paciente, eles podem ser legalmente impedidos de oferecer o atendimento adequado. Isso cria uma sensação de impotência, uma vez que, em certos casos, os profissionais devem assistir seus pacientes sofrerem sem poder intervir da maneira que consideram melhor.
O estudo também destacou como as pacientes afetadas por essas leis pertencem a diferentes grupos raciais e sociais. Cerca de 40% das pacientes eram brancas, 23% negras, 19% hispânicas, 5% asiáticas e 3% multirraciais. Esses dados indicam que o impacto das restrições ao aborto atinge diversas populações, especialmente grupos vulneráveis e marginalizados.
Do ponto de vista dos profissionais de saúde, as restrições ao aborto criam obstáculos significativos para o atendimento seguro e ético. Como evidenciado pelos relatos coletados, as proibições não apenas comprometem a saúde física das pacientes, mas também causam uma pressão emocional e ética intensa nos médicos, que muitas vezes se veem incapazes de seguir o que consideram ser o melhor curso de ação para seus pacientes.
Dado o cenário atual, fica claro que as restrições ao aborto não são apenas uma questão política, mas uma crise de saúde pública que impacta diretamente a qualidade e a segurança do cuidado médico nos Estados Unidos.
Fonte: Dobbs Has Fundamentally Changed Obstetric Care, Study Finds / Medpage Today
Este artigo foi criado em colaboração entre Cláudio Cordovil e Chat GPT-4
Imagem gerada por Inteligência Artificial