Florescimento Humano no Fim da Vida: É Possível?

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Cláudio Cordovil

A morte é parte inevitável da vida, e, embora muitas pessoas temam seus últimos dias, é possível encontrar momentos de florescimento humano no final da vida, mesmo em meio à dor e limitações.

Embora seja um período em que a autonomia e a qualidade de vida podem ser significativamente reduzidas, o fim da vida também oferece oportunidades únicas de realização de bens humanos essenciais, como a reflexão sobre a própria história de vida, o fortalecimento das relações e o cultivo de virtudes.

Durante os últimos dias, muitas pessoas encontram significado ao revisitar os eventos mais marcantes de suas vidas, reconhecendo sua trajetória e apreciando o legado que deixam.

A consolidação narrativa, ou a capacidade de refletir sobre o arco de vida e perceber seu sentido profundo, se torna um processo natural e, por vezes, mais intenso, conforme se aproxima o fim. Esse exercício pode trazer à tona uma sensação de gratidão e realização, que, paradoxalmente, pode florescer até mesmo nas fases mais avançadas de uma doença terminal.

Um exemplo notável desse processo é Morrie Schwartz, professor universitário que enfrentou a esclerose lateral amiotrófica (ELA). Morrie usou sua doença como um momento para meditar sobre a morte e, ao mesmo tempo, refletir sobre o que sua vida representava. Essa jornada interior resultou no livro best-seller Tuesdays with Morrie, que transformou sua história de vida em uma fonte de inspiração.

Se o florescimento é possível no final da vida, que implicações isso tem na forma como cuidamos dos nossos entes queridos que estão morrendo?

Além da consolidação da narrativa pessoal, o fim da vida pode facilitar o aprofundamento de relações próximas. Com a iminência da morte, as pessoas muitas vezes priorizam passar tempo de qualidade com seus entes queridos, cumprindo promessas e compromissos emocionais que haviam sido adiados.

Muitas vezes, esses momentos oferecem oportunidades de reconciliação e fortalecimento de laços, especialmente entre familiares distantes ou com relacionamentos fragmentados.

Esse período também proporciona um espaço para que as pessoas cumpram compromissos emocionais mais plenamente. As promessas feitas no casamento, como o tradicional “até que a morte nos separe”, ganham uma dimensão mais profunda à medida que o fim se aproxima.

Mesmo que a doença terminal traga consigo um forte isolamento, esse sentimento pode, de forma paradoxal, intensificar os vínculos íntimos, fazendo com que as pessoas envolvidas sejam forçadas a cultivar e fortalecer esses laços.

O fim da vida também é um terreno fértil para o crescimento moral e a prática de virtudes. Para muitas tradições religiosas, esse é o maior teste de caráter, exigindo perseverança, fé, esperança e caridade. A desintegração do corpo e a perda de controle sobre funções físicas podem provocar reflexões profundas sobre a fragilidade humana, mas também encorajam a transcendência das circunstâncias imediatas.

O exemplo clássico de Ivan Ilitch, da obra de Tolstói, ilustra bem essa jornada. Inicialmente, o personagem se entrega ao desespero com o avanço da doença, mas, nos momentos finais, alcança um estado de aceitação e desenvolve uma preocupação altruísta com seus familiares. Essa transformação ilustra como o florescimento humano pode ocorrer até mesmo diante do sofrimento extremo.

Se o florescimento humano é possível no fim da vida, isso traz implicações importantes para os cuidados de saúde e o cuidado paliativo. As abordagens contemporâneas geralmente focam no alívio da dor e no controle de sintomas, priorizando o conforto físico e emocional. No entanto, como discutido, é possível ir além e explorar maneiras de promover o florescimento moral e espiritual nesse momento.

Uma abordagem mais ampla poderia incluir intervenções focadas em ajudar os pacientes a encontrar sentido e propósito em seus últimos dias. Por exemplo, terapias de dignidade, projetos de legado e intervenções espirituais são algumas ferramentas que já demonstraram ser eficazes em aumentar o bem-estar dos pacientes terminais e suas famílias. Essas práticas ajudam a mitigar a ansiedade e a depressão relacionadas à morte, ao mesmo tempo em que restauram uma sensação de valor e propósito.

É importante considerar também a criação de ferramentas para medir o florescimento no fim da vida. Embora os índices tradicionais de qualidade de vida sejam úteis, eles muitas vezes se concentram em aspectos como a vitalidade física ou a capacidade de viver de forma independente, o que pode não ser tão relevante para pessoas em fases avançadas de uma doença. Assim, uma avaliação que leve em conta a realização de bens humanos, como o sentido da vida, a profundidade das relações e o crescimento moral, seria mais adequada.

O conceito de florescimento no fim da vida não deve ser limitado à saúde física ou à qualidade de vida estritamente definida. Ele pode abranger também a capacidade de encontrar significado e cultivar virtudes, mesmo diante da deterioração do corpo. As clínicas de cuidados paliativos poderiam se beneficiar ao incluir esses aspectos em suas avaliações e intervenções, promovendo uma abordagem holística e centrada no paciente.

Embora o fim da vida seja muitas vezes associado à perda e ao sofrimento, ele também pode ser um período de grande crescimento pessoal, moral e espiritual. Ao oferecer ferramentas e apoio para ajudar as pessoas a encontrar significado, fortalecer laços e cultivar virtudes, podemos transformar os últimos dias de vida em uma oportunidade de florescimento humano. O desafio para a medicina e os cuidados paliativos é reconhecer essas possibilidades e trabalhar para integrá-las de forma mais completa no cuidado aos pacientes.

Florescer no fim da vida é possível. Contudo, precisamos expandir nossa compreensão de florescimento para incluir os bens que são realizáveis justamente quando a vida está se encerrando.


Fonte: Flourishing at the End of Life / The Public Discourse

Imagem gerada por Inteligência Artificial

Este artigo foi criado em colaboração entre Cláudio Cordovil e Chat GPT-4

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