Moção de Apoio a ADPF 442: descriminalização do aborto

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Roberta Lemos

Nós da SBB – RJ reforçamos nosso apoio à ADPF 442, que pede ao Supremo Tribunal Federal a descriminalização do aborto até a 12ª semana.

A ADPF 442 protocolada no STF ainda em 2017, é uma ação de descumprimento de preceito fundamental, e pede a descriminalização do aborto até a 12 semana. As advogadas autoras da ação defendem que há uma inconstitucionalidade do Código Penal brasileiro de 1940, que prevê pena de prisão para mulheres que fazem um aborto.

A nossa Constituição Federal de 1988 tem como princípios fundamentais o direito à dignidade, à cidadania, à não discriminação, o direito à vida, à igualdade, à liberdade, a não sofrer tortura ou tratamento cruel, desumano ou degradante, à saúde e ao planejamento familiar. Quando um Estado ameaça de prisão uma mulher por uma necessidade de saúde, este mesmo Estado está violando seus próprios princípios de proteção da vida.

Aborto é um problema de saúde pública. Evidências sobre este tema já estão consolidadas entre cientistas, gestores e Organização Mundial de Saúde. O aborto é um evento comum na vida reprodutiva de uma mulher. O dado mais recente da Pesquisa Nacional do Aborto1 revela que uma em cada sete mulheres aos 40 anos já fez pelo menos um aborto na vida. São meio milhão de mulheres brasileiras a cada ano.

O campo da bioética deve reconhecer que criminalizar uma necessidade de saúde não impede práticas, mas sim vulnerabiliza, estigmatiza e pode causar agravos em saúde. Mulheres, meninas ou pessoas com capacidade de gestar correm riscos injustificáveis em um aborto clandestino e em condições inseguras. Países onde o aborto é criminalizado concentram maiores taxas de aborto e de mortalidade materna.

A bioética deve esta comprometida com perguntas sobre como aperfeiçoar práticas de cuidado em saúde. A criminalização do aborto gera estigma e desinformação, inclusive entre os profissionais de saúde. Por medo de serem presas ou maltratadas, as mulheres demoram a chegar ao serviço de saúde para cuidar de um aborto incompleto ou das consequências por sua realização em condições inseguras. O aborto está entre as principais causas de mortalidade materna no Brasil. Estimativas mostram que pelo menos uma mulher morre por aborto a cada cinco dias no Brasil2.

Quando falamos sobre necessidades de saúde e reprodutivas de mulheres e pessoas com capacidade de engravidar temos que reconhecer que não há um modelo universal de mulher ou pessoa. A bioética deve refletir como algumas perguntas podem ampliar as camadas de vulnerabilidade de determinadas vidas que já enfrentam históricos regimes de precarização e discriminação.

Sabemos que a criminalização do aborto impacta desproporcionalmente meninas e mulheres negras e periféricas. As mulheres negras têm 46% mais chances de fazer um aborto em seu ciclo reprodutivo do que as mulheres brancas3. Dadas as condições de insegurança pela ilegalidade no Brasil, há riscos aumentados para as mulheres negras de adoecimento e morte.

O aborto é também um problema das juventudes: uma a cada duas mulheres fez um aborto antes dos 19 anos. Dessas, 6% antes dos 14 anos. São meninas que tiveram a infância atravessada por uma violência sexual, cometida na maioria das vezes em um espaço que deveria ser de cuidados e proteções: os violentadores são tios, avós, pais e padrastos.

A criminalização do aborto impõe uma atmosfera de medo e estigma inclusive entre as pessoas com dever de cuidado dessas meninas em hospitais ou delegacias. Eventos trágicos recentes de meninas de 10 e 11 anos entrando no hospital dentro de um porta-malas do carro ou ouvindo de agente do Estado brasileiro o pedido para “suportar mais um pouquinho” o corpo infantil grávido, ganharam visibilidade nacional demonstrando a perversidade da criminalização e as barreiras de acesso aos serviços de aborto legal.

A Ministra Rosa Weber, em seu voto favorável à ADPF 442, descreveu o tema do aborto como sensível e de extrema delicadeza. Para a Bioética também podemos compreender o aborto como um tema sensível e delicado. E por isso precisamos de solidariedade,4 respeito e sensibilidade para tratar do tema e melhor cuidar de meninas, mulheres e pessoas. Como a bioética engajada com os direitos humanos e a democracia poderá oferecer ferramentas para melhor cuidar desta necessidade de saúde?

A questão do aborto deve estar assentada no vivido das mulheres. As respostas para o melhor cuidar virão se efetivamente colocarmos as necessidades de meninas, mulheres e pessoas que podem engravidar no centro das nossas respostas.

Se acreditamos que o aborto não pode ser tema para punir ou castigar, mas sim para cuidar, proteger e reduzir danos, temos que tratar desse tema com sensibilidade, cuidado e respeito.  O Brasil é uma democracia laica. É com o espírito de respeito à laicidade e à vida das mulheres e meninas que o Supremo Tribunal Federal deve iniciar seus trabalhos para uma decisão histórica de reparação das desigualdades de gênero, classe e raça causadas pela injusta criminalização do aborto.


Crédito da foto: Manny Becerra na Unsplash

  1. DINIZ, D.; MEDEIROS, M.; MADEIRO, A.. National Abortion Survey – Brazil, 2021. Ciência & Saúde Coletiva, v. 28, n. 6, p. 1601–1606, jun. 2023. []
  2. CARDOSO, B. B.; VIEIRA, F. M. DOS S. B.; SARACENI, V.. Aborto no Brasil: o que dizem os dados oficiais?. Cadernos de Saúde Pública, v. 36, p. e00188718, 2020. []
  3. Diniz, D., Medeiros, M., Souza, P.H.G.F, Goés, E.. Aborto e raça no Brasil, 2016 a 2021. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2023/Set) []
  4. Solidariedade em bell hooks: “a solidariedade, tal como definida por bell hooks (2019), é vista como uma forma de coalizão consciente entre pessoas, que valoriza as diferenças e as usa como força motriz para encontrar estratégias inovadoras para o alcance da justiça social. Nesse contexto, a solidariedade, quando baseada na compreensão das complexidades interseccionais, nos capacita a enfrentar desafios de maneiras transformadoras, e pode ser muito importante num momento de emergência sanitária, principalmente para pessoas que se tornam ainda mais vulnerabilizadas no contexto de uma pandemia, como as mulheres negras” []

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