Em um cenário acadêmico que, em tese, busca a diversidade e a equidade, é imperativo refletirmos sobre a presença e a representatividade de mulheres negras na academia.
Por conta da interseccionalidade das opressões, é complexo o combo de ser mulher e de ser negra em uma sociedade que ainda carrega as marcas do racismo estrutural tão enraizadas. No contexto acadêmico, essa interseccionalidade de manifesta desde a falta de representatividade no corpo docente até a limitada visibilidade de suas contribuições nos currículos e pesquisas, dada o trabalho intelectual que historicamente foi muito negado às pessoas negras.
Prova disso é o fato de diversas universidades no país estarem fazendo seus concursos para docentes (aqui falo dos concursos para saúde pública e bioética) sem ao menos uma pessoa negra na banca de avaliação, ou ainda com nenhuma ou quase nenhuma pessoa negra elaborando a prova. Recentemente, os alunos da Universidade de São Paulo (USP) fizeram uma greve emblemática para pedir docentes e principalmente docentes que eles denominam de PPI (pretos, pardos e indígenas), visto que não havia nenhum docente PPI na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP1.
Ao faltar com essa diversidade, as universidades impedem que professores e pesquisadores com diferentes perfis raciais compartilhem não apenas seus conhecimentos, mas as suas diferentes experiências e visões de mundo, rompendo a bolha do pacto narcísico da branquitude.
A manifestação dessas desigualdades, por cor ou raça se revela como uma importante dimensão de exame, em razão dos aspectos estruturais que condicionam a sua reprodução permanente.
Cida Bento, em seu livro O pacto da branquitude, argumenta que este é um conjunto de práticas e comportamentos que sustentam a supremacia branca nos espaços de poder, perpetuando a desigualdade racial. Ou seja, ele é um acordo não-verbal de manutenção de pessoas brancas nos espaços de poder, e geralmente homens brancos. A autora ainda afirma que esse pacto não ocorre de modo oficial, mas sim, oficioso, já que garante a manutenção dos privilégios através das pessoas que ocupam estes espaços, de uma forma subliminar.
No contexto acadêmico, isso se traduz na reprodução de padrões excludentes que limitam as oportunidades e o reconhecimento das mulheres negras na academia. A branquitude, enquanto parte dominante da sociedade, precisa reconhecer sua própria influência na manutenção das estruturas discriminatórias e assumir um papel ativo na desconstrução dessas barreiras e não apenas um discurso hype bonito antirracista.
Pensar em ações concretas é crucial para que a desconstrução deste pacto aconteça. Reconhecer a responsabilidade coletiva na desconstrução dessas barreiras pode visar uma reconstrução de uma academia mais justa, inclusiva e verdadeiramente representativa, onde as mulheres negras sejam plenamente reconhecidas e valorizadas.
Roberta Lemos dos Santos, mulher negra, mãe de Antonia( Parir não é parar!), doutora em bioética , ética aplicada e saúde coletiva pela Fiocruz. 1ª secretária da SBB-RJ. Coordenadora da Comissão Temática de Meninas e Mulheres da SBB- Regional Rio de Janeiro.
Imagem gerada por Inteligência Artificial
- Dados do Portal da Transparência da USP, até setembro de 2022 [↩]