Farmacêuticas miram “intermediários” e saem ganhando

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Cláudio Cordovil

A indústria farmacêutica nos Estados Unidos está colhendo os frutos de uma das campanhas de lobby mais caras e bem-sucedidas dos últimos anos. O alvo: os chamados pharmacy benefit managers (PBMs), ou administradoras de benefícios farmacêuticos — intermediários que negociam descontos e reembolsos entre laboratórios, seguradoras e farmácias.

Quando o presidente Donald Trump assinou, neste mês, uma ordem executiva determinando a reavaliação do papel desses “intermediários”, muitos viram o gesto como uma grande vitória para os laboratórios. O documento determina que, em até 90 dias, sua equipe apresente um relatório sobre a atuação dos PBMs no sistema de saúde.

O investimento bilionário das farmacêuticas em lobby

Segundo registros públicos, a indústria farmacêutica gastou US$ 31 milhões em lobby apenas em 2024 — e mais US$ 13 milhões no primeiro trimestre de 2025. Boa parte desse montante foi direcionada a campanhas publicitárias e doações a grupos políticos e organizações da sociedade civil que, posteriormente, passaram a criticar os PBMs.

A PhRMA, principal associação da indústria, identificou ainda em 2022 que combater os gestores de benefícios seria uma prioridade estratégica. Em um jantar milionário com o presidente Trump, executivos do setor reforçaram essa agenda e, desde então, mantêm diálogo constante com a Casa Branca.

Quem são os PBMs e por que são tão atacados?

Os PBMs são empresas terceirizadas, como as controladas por CVS Health e UnitedHealth Group, que gerenciam os planos de medicamentos prescritos por seguradoras. Na prática, negociam os preços com as farmacêuticas e definem quais remédios estarão disponíveis para os segurados, influenciando diretamente o acesso e o custo ao consumidor final.

As farmacêuticas os acusam de serem os principais responsáveis pelos altos preços dos medicamentos, alegando que ficam com até 80% do valor de venda por meio de reembolsos e taxas ocultas.

Por outro lado, os PBMs rebatem, dizendo que os laboratórios estabelecem preços de tabela altíssimos e que seu trabalho gera bilhões em economias para o sistema de saúde.

A batalha narrativa e a guerra publicitária

A PhRMA lançou nos últimos anos uma enxurrada de anúncios em plataformas influentes, como os portais Axios, Punchbowl News, a newsletter Politico Playbook e até o podcast The Daily, do New York Times. Frases como “Quando os intermediários controlam tudo, você perde” passaram a circular amplamente.

Segundo o especialista Steve Knievel, da ONG Public Citizen, as farmacêuticas foram bem-sucedidas em transferir parte da culpa que tradicionalmente recaía sobre elas para os PBMs, mesmo que isso não altere, de fato, a estrutura de preços dos medicamentos.

Patrocínios cruzados: quando o dinheiro fala mais alto

A estratégia da PhRMA também incluiu doações expressivas a organizações da sociedade civil, especialmente aquelas com foco em saúde de populações minoritárias.

Exemplos notórios:

  • MANA, A National Latina Organization: recebeu US$ 25 mil da PhRMA em 2022, US$ 270 mil para seu braço político (MANA Action Fund) e mais US$ 25 mil em 2023. Depois disso, a organização liderou um coletivo que passou a criticar os PBMs publicamente.
  • Black, Gifted & Whole: movimento voltado a homens negros e LGBTQIA+, recebeu US$ 50 mil. Seu presidente escreveu artigos defendendo mudanças nos PBMs, afirmando interesse pessoal por viver com HIV.
  • National Hispanic Council on Aging e National Minority Quality Forum: juntos, receberam mais de US$ 400 mil e publicaram pesquisas e artigos críticos aos PBMs, sem mencionar os aportes da indústria farmacêutica.

Embora representantes dessas entidades defendam sua autonomia, muitos analistas consideram que as doações funcionam como forma indireta de alinhamento discursivo, ainda que não configurem, formalmente, interferência.

Dinheiro para todos os lados: de ONGs a comitês políticos

A atuação da PhRMA vai além das organizações civis. A associação também financiou grupos com posições conservadoras e liberais, como:

  • American Commitment: recebeu US$ 183 mil e lançou uma campanha chamada Commitment to Seniors, pedindo que o Congresso responsabilizasse os PBMs.
  • Republican American Action Network: outro grupo pró-mercado que recebeu milhões da indústria.

Além disso, a indústria contribuiu com mais de US$ 5 milhões para a posse de Trump, incluindo US$ 1 milhão apenas da PhRMA e doações adicionais de empresas associadas. Também houve repasses para o comitê político privado do presidente.

Ordem executiva: mais benefícios ocultos à indústria?

Além de determinar a revisão do papel dos PBMs, a ordem executiva de Trump adiou o início das negociações de preços da Medicare para medicamentos de uso oral, empurrando o cronograma de nove para 13 anos. Isso representa um alívio significativo para as farmacêuticas, que vinham pressionando contra essas medidas de contenção de preços.

Os PBMs reagem — mas chegaram tarde

Os gestores de benefícios também intensificaram seu lobby. A associação do setor investiu cerca de US$ 18 milhões em 2024, mais que o dobro de dois anos antes, e também contribuiu com US$ 1 milhão para a posse de Trump.

UnitedHealth Group, por exemplo, anunciou que, até 2028, sua subsidiária PBM passará a repassar integralmente os descontos negociados aos consumidores, na tentativa de demonstrar que o problema dos preços está na indústria farmacêutica, e não nos intermediários.

Apesar das tentativas de resposta, os PBMs perderam espaço no debate público. Quando seus executivos se encontraram com Trump no ano passado, a indústria farmacêutica já havia estabelecido a narrativa dominante.

Lobby como instrumento de captura narrativa

A estratégia da PhRMA mostra a capacidade da indústria de transformar um tema técnico e complexo como a gestão de reembolsos farmacêuticos em uma narrativa pública mobilizadora. Com investimento pesado em comunicação, patrocínios e influência política, o setor conseguiu desviar parte da pressão regulatória.

Para analistas, o caso dos PBMs ilustra um padrão recorrente: quando interesses corporativos encontram brechas discursivas, o lobby atua para reformular o debate em benefício próprio.

E os pacientes? O elo mais fraco

Perdidos entre laboratórios, PBMs, seguradoras e políticos, os pacientes seguem como os principais prejudicados pela falta de transparência na formação dos preços de medicamentos. Nenhum dos lados assume responsabilidade direta, e o resultado são remédios inacessíveis para milhões de pessoas — especialmente aquelas em situação de vulnerabilidade.

O uso estratégico de ONGs de minorias e campanhas em defesa da “equidade” sem menção clara a conflitos de interesse levanta preocupações bioéticas relevantes, sobretudo quanto à instrumentalização de pautas sociais para blindar interesses comerciais.

Reflexões bioéticas: quando o financiamento compromete a confiança

A influência da indústria farmacêutica sobre organizações comunitárias e movimentos sociais desafia os princípios da bioética, especialmente:

  • Transparência: ausência de divulgação clara dos vínculos financeiros compromete o direito à informação.
  • Autonomia: grupos beneficiados por doações têm liberdade para opinar, mas podem sofrer pressões sutis para alinhar seus posicionamentos.
  • Justiça distributiva: o direcionamento de recursos para manipulação de políticas públicas pode agravar desigualdades no acesso à saúde.

O caso também reabre o debate sobre a regulação do lobby no setor da saúde, sugerindo a necessidade de critérios mais rigorosos para rastreabilidade de doações e influência sobre decisões políticas.


Fonte: Drugmakers have spent millions targeting ‘middlemen’—and it’s paying off / The Wall Street Journal

Este artigo foi criado em colaboração entre Cláudio Cordovil e Chat GPT-4

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